O impacto do e-commerce na Segurança Rodoviária
O aumento do acesso à internet facilitou o comércio de bens ou serviços encomendados online denominados e-commerce. O comércio eletrónico é um setor em rápida evolução.
Com 94% dos belgas com acesso à internet, 80% deles são e-shoppers. Além disso, 7 em cada 10 belgas compraram entre uma vez e cinco vezes durante os últimos três meses da pesquisa realizada em 2021 pela EUROSTAT 1.
A Bélgica é o 29º maior mercado do mundo para e-commerce com um volume de negócios de 11,7 bilhões de euros em 2021. Este é um crescimento de 33% em relação ao ano anterior (2020) o que revela o crescimento gradual e estável deste setor na Bélgica 2.
A comodidade de comprar online e a entrega em casa tornam desafiadora a logística do setor de e-commerce. Segundo o Fórum Económico Mundial, se as operações da última milha não forem otimizadas, a crescente demanda do e-commerce resultará num acréscimo de 36% a mais de veículos nas cidades até 2030. Estimativas sugerem que o tráfego de entregas causará um aumento de 30% nas emissões e 21% no congestionamento do tráfego nas 100 maiores cidades do mundo. Embora o congestionamento e a poluição do ar derivadas deste setor estejam devidamente identificadas, o impacto do e-commerce na segurança rodoviária ainda precisa ser aferido.
Os impactos do e-commerce na Segurança Rodoviária: o caso de estudo belga
Um estudo do Instituto VIAS analisou os impactos da entrega de encomendas na segurança rodoviária na Bélgica por meio da revisão da literatura recente, análise dos dados disponíveis combinando o registo de veículos e acidentes rodoviários e a análise de dados quantitativos e qualitativos específicos recolhidos de várias partes interessadas no setor.
A lista de partes interessadas importantes inclui; duas amostras representativas de 1.000 cidadãos belgas com a partilha da sua opinião sobre a aceitabilidade e frequência de comportamentos específicos dos condutores de transporte de entrega, uma pesquisa entre 100 condutores de transporte de entrega e o seu comportamento na estrada e atitudes em relação a esta e 14 entrevistas focadas de prestadores de serviços, relevantes associações, autoridades e polícia, sobre os desafios, oportunidades,
Apesar do crescimento da frota total de veículos de mercadorias (≤ 3,5 toneladas), o número de acidentes na Bélgica caiu em todos os modos de transporte (-20%), uma tendência decrescente semelhante foi observada no número de acidentes com veículos de mercadorias (-13,5 %) entre 2017 e 2020.
No entanto, as carrinhas próprias estiveram envolvidas em mais acidentes rodoviários com utentes vulneráveis da estrada do que as carrinhas privadas, em particular, ciclistas (16% vs. 12% do número de vítimas em 2022). Este valor cresceu nos últimos anos para os ciclistas (11% em 2017 vs. 16% em 2020) e manteve-se praticamente inalterado (5% em 2017 e 2020) para os peões, apesar de uma quebra acentuada na generalidade dos veículos motorizados. As estatísticas atuais sobre acidentes rodoviários não nos permitem distinguir entre carrinhas utilizadas para entrega de encomendas e para outros fins, como carrinhas utilizadas na indústria da construção ou restauração, etc.
Muitos condutores de carrinhas admitiram não respeitar com frequência o código da estrada. Os comportamentos inseguros mais comumente relatados foram desrespeitos pelos limites de velocidade e o uso de espaço para ciclistas e peões para cargas e descargas. Mencionaram ainda o comportamento dos outros utentes da estrada como causa para dificuldades no seu trabalho diário e é uma das principais razões para (quase) acidentes.
Foi observada uma forte correlação entre a experiência, o comportamento e a atitude dos condutores. Com mais anos de experiência de condução (mais de 2 anos), as práticas de comportamentos inseguros reportados foram menores e a atitude face ao comportamento seguro também foi positiva.
72% dos utentes gerais da estrada na Bélgica desaprovam fortemente os comportamentos dos condutores profissionais de veículos de mercadorias, como a condução agressiva, excesso de velocidade em zonas escolares e o uso de telemóvel durante a condução.
A maioria dos utentes da estrada (63%) considerou inaceitável cargas/descargas no meio da faixa de rodagem, mesmo quando é permitido legalmente em certas zonas. Além disso, foi indicada uma vontade limitada de pagar um preço mais alto entre a população belga para melhorar os padrões destas entregas. No entanto, a garantia de condições de trabalho justas para os entregadores foi fortemente apoiada, mesmo que implique um custo adicional. Estes resultados estão de acordo com outros estudos.
As entregas ao domicílio continuam a ser a opção de entrega preferida, embora os pontos de auto-recolha tenham sido indicados como uma alternativa interessante para muitos. Além disso, os desafios reconhecidos por diversos stakeholders e percebidos como muito importantes para a segurança rodoviária: intensidade do tráfego; espaço de estacionamento para cargas e descargas; o uso da segurança rodoviária como vantagem competitiva; a formação, competências, recrutamento e retenção dos condutores; a transferência modal para modos ativos; e a interação entre os utentes da estrada em espaços compartilhados.
A estabilidade no crescimento do setor de e-commerce indica que este veio para ficar. No entanto, o planeamento urbano de longo prazo e as mudanças estruturais são necessários para ajustar as necessidades de tornar as operações logísticas de “last mile” sustentáveis e eficientes, soluções de curto prazo já podem ser iniciadas.
Por exemplo, uma melhor fiscalização para evitar infrações rodoviárias recorrentes, formação dos condutores para melhorar o comportamento perigoso na estrada e ganhar a experiência necessária, e separação de infraestrutura de utentes vulneráveis da estrada são as soluções propostas a curto prazo. No entanto, antes de aprofundar as soluções, é importante esclarecer os impactos na segurança rodoviária do setor e a colaboração entre as partes interessadas.
Acesso aos dados específicos dos impactos na segurança rodoviária (acidentes, custos associados, distância percorrida, entregas malsucedidas, comportamentos perigosos na estrada, condições de saúde e segurança dos condutores e registo de infrações rodoviárias) ainda não é simples.
Atualmente, a partilha destes dados é vista com ceticismo, como se pudesse contribuir para a perceção negativa do setor de comércio eletrónico. No entanto, as práticas de partilha de dados devem ser vistas como uma vantagem para a segurança pública no trânsito. É necessário construir confiança mútua entre as autoridades e os provedores de serviços de comércio eletrónico para destacar os benefícios mútuos de alcançar os padrões de segurança rodoviária para o setor.
E em Portugal?
Em 2022, 43% dos indivíduos em Portugal efetuaram compras através da Internet nos três meses anteriores à inquirição, mais 2 p.p. do que no ano anterior. Caso se considere os doze meses anteriores, 54% dos indivíduos efetuaram este tipo de transação (+2 p.p. que no ano anterior). O crescimento anual verificado foi inferior ao registado em 2021 (+7 p.p.) e em 2020 (+6 p.p.), anos marcados pela alteração de comportamentos dos consumidores resultante da pandemia COVID19, e igual ao registado antes da pandemia (em 2019 tinha aumentado 2 p.p.).
Cerca de 25% dos indivíduos nunca efetuaram compras pela Internet. Por outro lado, cerca de 9% dos indivíduos efetuaram vendas online. Portugal era o 21.º país da União Europeia (UE27) no que respeita percentagem de indivíduos que realizaram compras online nos últimos 3 meses e o 23.º país em vendas online.
Consultar relatório da ANACOM – E-commerce in Portugal and the European Union in 2022
Cintando declarações de Rui Ribeiro, Presidente da ANSR à FleetMagazine:
“O aumento do comércio eletrónico está a gerar uma pressão maior sobre as empresas de distribuição, pressão que acaba por refletir-se também nos condutores, potenciando comportamentos de risco. De que forma está a ser encarado este facto?
O chamado “comércio eletrónico” coloca grande pressão nas empresas de distribuição e nos condutores dos seus veículos. Embora esta situação tenha atualmente mais visibilidade, devido ao momento de pandemia que vivemos, a mesma merece a nossa preocupação desde há algum tempo.
O crescimento dos serviços de entregas de alimentos, através de estafetas, ou a aquisição de outros bens através de plataformas eletrónicas, veio introduzir uma nova realidade na mobilidade, em especial nas zonas urbanas, com natural impacto ao nível da segurança rodoviária.
Esta questão assume maior relevo quando muitas destas entregas são efetuadas mediante a utilização de veículos de duas rodas, pois cada vez mais as distribuidoras utilizam a redução dos tempos de entrega como fator diferenciador perante a concorrência.
Identificámos três fatores que justificam, da nossa parte, uma especial atenção a este fenómeno, pois concorrem para um potencial aumento de sinistralidade, especialmente em meio urbano: a utilização crescente de veículos de duas rodas, que colocam o seu condutor numa posição mais vulnerável; a pressão na redução dos tempos de entrega e o aumento da procura destes serviços, com o consequente aumento competitivo e de número de veículos envolvidos.
Podemos juntar um quarto fator, a pouca experiência e falta de formação dos condutores desses veículos, que os coloca em desvantagem quando comparados com os restantes condutores profissionais.
Embora não tenha dados recentes, estimo que muitos condutores que trabalham neste tipo de distribuição fazem-no como forma de ter um rendimento extra ou em situação de precaridade laboral. Nestas situações, com maior expressão entre os distribuidores que utilizam veículos de duas rodas, não existirá, infelizmente, uma grande preocupação na sua habilitação ou formação.”
Fonte: https://fleetmagazine.pt/prevencao-rodoviaria-empresas-ansr/