Álcool

Os efeitos do álcool no organismo levam à diminuição de capacidades essenciais para conduzir em segurança. A descoordenação, o maior tempo de reação ou a diminuição de capacidades psico-sensoriais são algumas das consequências da condução sob o efeito de álcool. Esta perda de capacidades, aliada a alterações de comportamento que podem levar a estados de euforia e desinibição, fazem com que os condutores sob o efeito do álcool tenham um risco muito mais elevado de se envolveram em acidentes rodoviários.

Vários estudos mostram que o risco de acidente rodoviário aumenta exponencialmente com o aumento de álcool consumido. O risco de morrer na sequência de um acidente é também mais elevado em condutores sob o efeito de álcool, comparativamente a condutores sem álcool no sangue. Em média, o risco de morte dos condutores com taxas de alcoolemia consideradas “crime” aumenta em cerca de 140 vezes face aos que conduzem sem álcool.

Em Portugal, entre 2010 e 2019, cerca de 1 em cada 3 condutores mortos na sequência de acidentes rodoviários tinha uma taxa de álcool no sangue acima do limite legal permitido (TAS ≥ 0,5 g/l). Destes, 73% tinham taxa de alcoolemia considerada crime (TAS ≥ 1,2 g/l).

O álcool no organismo

Ao ser absorvido, o álcool entra na circulação sanguínea, que o transporta ao longo de todo o corpo. Quando atinge o cérebro afeta o comportamento, produzindo efeitos anestésicos e modificando as funções cerebrais.

Após a ingestão de uma bebida alcoólica, uma parte do álcool é imediatamente absorvida através da boca, e a maior parte é-o através do estômago e intestinos. O álcool espalha-se pela circulação sanguínea e pelos órgãos internos.

Uma pequena parte do álcool ingerido (cerca de 5%) é eliminado de forma natural pelo suor, urina, saliva e respiração. O resto (cerca de 95%) é eliminado pelo fígado (é oxidado). O fígado elimina o álcool concentrado no sangue a uma média de 0,15g/l por hora. É um processo muito lento. Por isso, mesmo que tenham passado várias horas após a ingestão de álcool, um condutor pode não estar em condições psicofísicas normais.

Taxa de alcoolemia

A presença de álcool no sangue é a alcoolemia. Pode ser medida por vários métodos: no ar expirado, na saliva, no sangue e na urina. A taxa de álcool no sangue (T.A.S.) é normalmente expressa em gramas de álcool por litro de sangue (g/l). Quando se fala de uma alcoolemia de 0,5 g/l é o mesmo 0,5 g de álcool por litro de sangue. A alcoolemia aumenta à medida que o etanol é absorvido pelo organismo e, diminui lentamente de acordo com a degradação do álcool pelo fígado.

  • Quantidade de bebida:

    Para o mesmo tipo de bebida, a TAS é maior ou menor consoante o volume de bebida ingerida;

  • Tipo de bebida:

    As bebidas não são todas iguais. Há umas mais alcoólicas que outras. Para a mesma quantidade ingerida, a TAS é mais elevada nas bebidas com maior graduação alcoólica;

  • Peso:

    Mais concretamente a proporção de massa onde o sangue se distribui (sangue, líquidos, água dos tecidos, etc.). Pessoas do mesmo sexo, que bebam a mesma quantidade e tipo de bebida, durante o mesmo período de tempo e da mesma forma, apresentam TAS diferentes, variável em função do peso. Em geral, uma pessoa com maior peso tem uma TAS mais baixa que uma pessoa com menos peso;

  • Sexo:

    A mulher apresenta normalmente uma alcoolemia superior ao homem, para uma mesma quantidade de álcool ingerida. Isto deve-se ao facto de as mulheres terem mais tecido adiposo que os homens, que apresentam mais tecido muscular. O tecido adiposo retém o álcool, levando mais tempo a metabolizá-lo;

  • Tipo de ingestão:

    Quando se bebem bebidas alcoólicas num curto espaço de tempo, atingem-se taxas de alcoolemia elevadas mais depressa do que se a ingestão decorrer de forma mais espaçada no tempo;

  • Presença/ausência de alimentos:

    Em jejum ou quando a ingestão de álcool é acompanhada de pouca comida, a absorção de álcool é mais rápida;

  • Hábitos individuais de bebida:

    A tolerância ao álcool varia muito de pessoa para pessoa. Por exemplo, os alcoólicos crónicos apresentam, para uma mesma quantidade de álcool absorvida, taxas de alcoolemia superiores a sujeitos normais.

C é a quantidade de etanol ingerida (g)
Vd é o volume de distribuição (L / kg)
m é a massa corporal (em kg)
β é a taxa de eliminação de etanol (g / L / h)
t o tempo que decorreu desde a absorção de álcool (hrs)

O álcool e a condução

Os efeitos do álcool dependem da quantidade de álcool ingerida. Quanto maior for a TAS, mais graves são os efeitos na condução. O álcool prejudica a aptidão para conduzir atuando ao nível das tarefas da condução:

  • Perceção: diminuição das capacidades psico-sensoriais, recolha deficiente da informação, deteção de estímulos;
  • Previsão: dificuldade no tratamento dos dados;
  • Decisão: dificuldades em decidir o que fazer e decisões erradas;
  • Ação: tempo de reação maior, descoordenação e brusquidão de movimentos perturbação das capacidades psicomotoras.

Vários estudos mostram que à medida que a taxa de alcoolemia aumenta, o risco de envolvimento em acidentes rodoviários aumenta de forma exponencial.

Por exemplo, Blomberg et al. (2005) estimaram que:

  • Condutores com TAS de 0,5 g/l têm 1,4 vezes mais risco de ter um acidente;
  • Condutores com TAS de 0,8 g/l têm 2,7 vezes mais risco de ter um acidente;
  • Condutores com TAS de 1,2 g/l têm 8,9 vezes mais risco de ter um acidente;
  • Condutores com TAS de 1,5 g/l têm 22,1 vezes mais risco de ter um acidente;
  • Condutores com TAS de 1,8 g/l têm 51,0 vezes mais risco de ter um acidente.

Os resultados do estudo mostram claramente a relação exponencial entre a TAS e o risco de acidente rodoviário (gráfico abaixo).

Noutro estudo, Zador et al. (2000) mostraram que a gravidade do acidente também aumenta com o aumento da TAS do condutor. O risco de um condutor morrer na sequência de um acidente rodoviário, é (risco em relação a condutores com TAS igual zero g/l):

  • Pelo menos 3 vezes maior, se tiver uma TAS entre 0,2 g/l e 0,5g/l;
  • Pelo menos 6 vezes maior, se tiver uma TAS entre 0,5 g/l e 0,8g/l;
  • Pelo menos 11 vezes maior, se tiver uma TAS entre 0,8 g/l e 1,0g/l.

Dados do relatório “Condução sob Efeito do Álcool em Portugal”, publicado pela Prevenção Rodoviária Portuguesa, em 2021, mostram que entre 2010 e 2018, 4.5% dos condutores intervenientes em acidentes rodoviários em Portugal tinham TAS acima do limite legal para conduzir (TAS ≥ 0.50 g/L): 10.7% nos ciclomotores, 5.4% nos velocípedes, 4.2% nos motociclos, 4.1% nos automóveis ligeiros e 0.9% nos automóveis pesados.

O peso da sinistralidade associada ao consumo de álcool foi mais alto durante o fim de semana e nos períodos da noite e madrugada, sobretudo entre as 3 horas e as 6 horas (43% das mortes e 40% dos feridos graves neste horário resultaram de acidentes com pelo menos um condutor com TAS ≥ 0,5 g/L).

Relativamente às vítimas mortais de acidentes rodoviários, entre 2010 e 2019, 28.3% tinham uma taxa de alcoolemia acima do limite legal (≥ 0.50 g/L): 1 em cada 3 (33.3%) condutores, 1 em cada 5 peões (20.6%) e 1 em cada 5 passageiros (20.7%). A percentagem de vítimas mortais com TAS ≥ 1.20 g/l foi de 24.3% nos condutores, 16.0% nos peões e 11.5% nos passageiros.

Um estudo observacional da Prevenção Rodoviária Portuguesa, em 2021, realizado no âmbito do Projeto Baseline, que incluiu a realização de testes de alcoolemia a 5654 condutores de veículos ligeiros, estimou que mais de 4 em cada 10 condutores (4.3%) tinham álcool no sangue (TAS > 0.0 g/l) enquanto conduziam. Os condutores com TAS acima do limite legal para conduzir (TAS ≥ 0.2 g/l nos condutores em regime probatório ou condutores profissionais; TAS ≥ 0.5 g/l  nos outros condutores) representaram 0.82% do total de condutores observados.

Alguns mitos sobre o álcool

O álcool provoca a dilatação dos vasos sanguíneos da pele, fazendo com que o sangue se desloque do interior do organismo para a superfície da pele, provocando sensação de calor. Mas este movimento do sangue provoca uma perda de calor interno, já que o sangue se encontra a uma temperatura que ronda os 37º e que é quase sempre superior à temperatura ambiente. Quando o sangue regressa ao coração há necessidade de o organismo despender energia no restabelecimento da sua temperatura.

A sensação de sede significa necessidade de água no organismo. As bebidas alcoólicas não satisfazem esta falta, provocando, ainda, a perda através da urina, da água que existe no organismo, o que vai aumentar a carência de água e, portanto, a sede…

O álcool tem um efeito estimulante e anestesiante, que disfarça o cansaço provocado pelo trabalho físico ou intelectual intenso, dando a ilusão de voltarem as forças. Mas, depois o cansaço é a dobrar porque o organismo vai gastar ainda mais energias para “queimar” o álcool no fígado.

O álcool faz com que os movimentos do estômago sejam muito mais rápidos e os alimentos passem precocemente para o intestino sem estarem devidamente digeridos, dando a sensação de estômago vazio. O resultado é a falta de apetite e o aparecimento de gastrites e de úlceras, em caso de consumo excessivo.

O álcool não tem valor nutritivo porque produz calorias inúteis para os músculos e não serve para o funcionamento das células. Contrariamente aos verdadeiros alimentos ele não ajuda na edificação, construção e reconstrução do organismo.

O álcool provoca apenas uma excitação e anestesia passageira que pode camuflar, durante algum tempo, dores ou sensação de mal-estar, podendo contribuir para o agravamento em determinadas situações. Não é um medicamento porque não cura nem trata nenhuma doença.

O álcool em quantidades moderadas tem um efeito desinibidor que parece facilitar a convivência. No entanto, este efeito pode tratar-se de uma ilusão, porque nem sempre é possível controlar os consumos. O consumo excessivo pode promover relações pouco profundas e artificiais.

Podemos eliminar os efeitos do álcool?

O café, com ou sem adição de sal, não diminui os efeitos do álcool no organismo e não acelera o processo de eliminação.

O tipo de consumo (só ou com água, sumo de frutas,) não tem nenhuma influência na taxa de alcoolemia, porque a quantidade de álcool ingerida é a mesma em qualquer dos casos.

Se a quantidade de álcool ingerida for pouca (apenas 1 ou 2 copos de bebida), o tempo de sono corresponderá mais ou menos ao tempo de eliminação de álcool pelo organismo. Mas se o volume de álcool ingerido for grande, é provável que a taxa de alcoolemia residual se mantenha elevada, mesmo após uma noite de sono. Dormir não diminui a taxa de alcoolemia.

Sem nada no estômago, a taxa de alcoolemia atinge valores mais elevados e de forma mais rápida do que quando se ingere álcool com comida. Mas, o álcool está presente no organismo e os seus efeitos também.

Não. A eliminação do álcool pelo organismo depende apenas do tempo.