Estudo revela comportamentos de risco na condução: Portugal entre os países mais problemáticos
Portugal encontra-se numa posição preocupante no panorama mundial da segurança rodoviária, segundo os resultados da terceira edição do E-Survey of Road Users’ Attitudes (ESRA3), realizado em 2023. Este estudo internacional, que abrangeu 39 países e envolveu mais de 37.000 utentes da estrada, expõe uma realidade inquietante sobre os comportamentos de risco na condução em território nacional.
Condutores Portugueses admitem comportamentos perigosos
Os dados portugueses revelam uma situação alarmante: 65,2% dos condutores admite conduzir acima dos limites de velocidade em zonas urbanas, uma das percentagens mais elevadas entre os países europeus estudados. Este valor coloca Portugal significativamente acima da média europeia de 47,3%.
Igualmente preocupante é o uso do telemóvel ao volante. 35,1% dos condutores portugueses confessa ler mensagens ou consultar redes sociais enquanto conduz, superando largamente a média europeia de 23,2%. Quanto ao uso de telemóvel para conversas, 26,5% dos portugueses admite esta prática, comparado com 22,2% na Europa.
A condução sob o efeito do álcool também apresenta números inquietantes: 12,7% dos condutores portugueses admite ter conduzido quando poderiam estar acima do limite legal de álcool, um valor ligeiramente superior à média europeia de 11,6%.
Utentes Vulneráveis: peões e ciclistas em risco crescente
Portugal destaca-se negativamente também nos comportamentos dos utentes mais vulneráveis da estrada. Entre os peões, 82,2% admite ler mensagens ou consultar redes sociais enquanto caminha, o terceiro valor mais elevado entre todos os países estudados.
No que respeita aos ciclistas, 48,8% circula sem capacete, um comportamento que, embora inferior à média europeia de 60,4%, mantém Portugal numa posição de preocupação considerável. Adicionalmente, 29,2% dos ciclistas portugueses atravessa quando o semáforo está vermelho.
Consciência vs. Comportamento: O Paradoxo Português
Curiosamente, os dados revelam um paradoxo significativo: 89% dos portugueses apoia a proibição do uso de telemóvel ao volante, uma das percentagens mais elevadas da Europa. Similarmente, 83,3% apoia a obrigatoriedade do uso de capacete para ciclistas.
Esta discrepância entre consciência dos riscos e comportamentos efetivos demonstra que o conhecimento dos perigos não se traduz automaticamente em práticas mais seguras, sugerindo a necessidade de abordagens mais eficazes na sensibilização e na aplicação da lei.
Comparação internacional coloca Portugal em posição vulnerável
O estudo posiciona Portugal numa situação particularmente delicada quando comparado com outros países desenvolvidos. Enquanto países como a Alemanha apresentam 47,6% de condutores que excede os limites de velocidade urbana, Portugal regista 65,2%. No Reino Unido, apenas 5,5% dos condutores admite este comportamento.
Esta tendência mantém-se consistente com os dados nacionais de sinistralidade. Segundo dados da ANSR, em 2024, Portugal registou 475 vítimas mortais nas estradas, representando uma taxa de mortalidade rodoviária de 60 mortes por milhão de habitantes.
Velocidade: o principal fator de risco
O excesso de velocidade emerge como o comportamento de risco mais comum entre os condutores portugueses, representando 67,9% do total de infrações registadas pelas autoridades em 2024. Este dado correlaciona-se diretamente com os resultados do ESRA3, confirmando que a velocidade excessiva é um problema endémico nas estradas portuguesas.
Distração: o novo flagelo das estradas
A utilização do telemóvel enquanto se conduz representa uma crescente preocupação. Os números portugueses do ESRA3 demonstram que este comportamento está profundamente enraizado, com mais de um terço dos condutores a admitir práticas de distração ao volante.
Estudos complementares indicam que a utilização do telemóvel aumenta cerca de 20 vezes o risco de acidente rodoviário, tornando este comportamento numa das principais ameaças à segurança nas estradas portuguesas.
Impacto na sinistralidade rodoviária
Os comportamentos identificados no estudo ESRA3 refletem-se diretamente nas estatísticas nacionais de sinistralidade rodoviária. Em 2024, registaram-se 36.789 acidentes com vítimas em Portugal, resultando em 475 vítimas mortais e 2.675 feridos graves.
Particularmente preocupante é o facto de, comparativamente a 2019, se ter verificado um aumento de 143 feridos graves (+5,6%), demonstrando que, apesar dos esforços de sensibilização, os comportamentos de risco persistem e as suas consequências agravam-se.
Desafios e Oportunidades para a Segurança Rodoviária
O estudo ESRA3 oferece uma oportunidade única para Portugal repensar as suas estratégias de segurança rodoviária. A elevada aceitação de medidas restritivas por parte da população (como a proibição do telemóvel ao volante) sugere que existe uma base sólida para implementar políticas mais rigorosas.
A discrepância entre consciência e comportamento aponta para a necessidade de abordagens inovadoras que vão além da sensibilização tradicional, incluindo:
- Intensificação da fiscalização eletrónica;
- Campanhas de sensibilização direcionadas aos comportamentos específicos identificados;
- Implementação de tecnologias que promovam comportamentos seguros;
- Reforço da educação rodoviária em todas as faixas etárias.
Um Espelho da Realidade Portuguesa
O estudo ESRA3 funciona como um espelho da realidade portuguesa, revelando que, apesar da consciência generalizada sobre os riscos da condução perigosa, os comportamentos efetivos permanecem alarmantemente inadequados. Portugal encontra-se numa encruzilhada: ou implementa medidas decisivas para alterar estes padrões comportamentais, ou continuará a registar índices de sinistralidade rodoviária acima do desejável.
Os dados não mentem: dois terços dos condutores portugueses excede regularmente os limites de velocidade, mais de um terço usa o telemóvel ao volante, e as consequências traduzem-se em centenas de vidas perdidas anualmente nas estradas nacionais.
A segurança rodoviária é uma responsabilidade coletiva que exige mudanças comportamentais profundas. O estudo ESRA3 oferece o diagnóstico; cabe agora às autoridades, organizações de segurança rodoviária e à sociedade civil encontrarem e implementarem as soluções necessárias para reverter a situação em Portugal.