Relatório Europeu Destaca Performance Insuficiente do País Face às Metas de 2030
O Conselho Europeu de Segurança dos Transportes (ETSC) publica hoje o seu 19º Relatório Anual do Índice de Desempenho de Segurança Rodoviária (PIN), uma análise exaustiva do progresso da segurança rodoviária em 32 países europeus. Este relatório, que destaca tanto sucessos notáveis como preocupantes retrocessos, lança um alerta sério sobre a situação de Portugal.
Contrariando a tendência de melhoria observada na maioria dos Estados-Membros da União Europeia, Portugal registou uma estagnação no número de mortes na estrada ao longo da última década, uma realidade que exige uma reavaliação urgente das políticas e estratégias nacionais. Quando a média da União Europeia avança na redução de fatalidades, a ausência de progresso em Portugal significa, na prática, um retrocesso relativo. O país está a ficar para trás em comparação com os seus pares europeus, o que se traduz numa lacuna crescente no desempenho da segurança rodoviária e na necessidade premente de intervenção.
Portugal: Uma Década Perdida na Redução de Fatalidades e um Aumento Alarmante de Feridos Graves
Os dados do relatório PIN 2025 revelam um cenário preocupante para Portugal. Entre 2014 e 2024, o número de mortes na estrada em Portugal permaneceu praticamente inalterado, com uma redução de apenas 0,6%, passando de 638 para 634 mortes. Este valor contrasta drasticamente com a média da UE27, que conseguiu uma redução de 17,2% no mesmo período.
Para ilustrar a disparidade, países como a Lituânia alcançaram uma notável diminuição de 54,7% no número de mortes rodoviárias na última década. O sucesso da Lituânia foi impulsionado por um plano nacional de segurança de 44 medidas, que incluiu a instalação de câmaras de velocidade, a aplicação de regras rigorosas contra a condução sob o efeito do álcool e melhorias significativas nas infraestruturas rodoviárias. A capacidade de outros países em implementar tais reduções drásticas sugere que as soluções para melhorar a segurança rodoviária são conhecidas e eficazes. A estagnação de Portugal, neste contexto, aponta para uma falha sistémica na adoção ou na execução dessas boas práticas, ou para uma insuficiência na escala e no impacto das medidas implementadas.
Mais alarmante ainda é o aumento de 24,4% no número de feridos graves em Portugal, passando de 2.010 em 2014 para 2.321 em 2024 (dados provisórios com base na definição nacional). Este aumento contraria a ligeira redução de 14% observada na média da UE24 para feridos graves no mesmo período. A divergência entre a estagnação nas mortes e o aumento acentuado de feridos graves em Portugal é um paradoxo que merece análise. Pode indicar que, embora as fatalidades não estejam a diminuir, os acidentes estão a resultar em lesões mais graves, que têm um impacto significativo na saúde pública e nos custos sociais a longo prazo. Esta tendência pode ser influenciada por fatores como o aumento da velocidade, a alteração dos tipos de veículos em circulação (como veículos mais pesados e maiores) ou o envolvimento crescente de utentes vulneráveis da estrada, como peões, ciclistas e motociclistas, que são mais propensos a sofrer lesões graves em caso de colisão. Adicionalmente, este aumento pode também refletir uma melhoria na recolha e na qualidade dos dados, especialmente com os esforços de Portugal para adotar a definição MAIS3+ de feridos graves, que se baseia em registos hospitalares e oferece uma imagem mais precisa do problema do que os dados policiais isolados. De qualquer forma, esta tendência sublinha um custo humano e social crescente que exige atenção imediata.
A taxa de mortalidade rodoviária de Portugal em 2024 foi de 60 mortes por milhão de habitantes, ligeiramente abaixo dos 61 por milhão em 2014. No entanto, esta taxa permanece significativamente acima da média da UE27 (45 por milhão) e muito aquém dos países mais seguros, como a Noruega (16 por milhão) e a Suécia (20 por milhão). O risco por distância percorrida também é elevado, com 8,3 mortes por mil milhões de veículos-km (média 2022-2024), sem incluir motociclos, o que é consideravelmente superior aos 2,3 da Noruega ou 2,7 da Suécia. A persistência de taxas de mortalidade e risco tão elevadas, em comparação com a média europeia e os líderes em segurança rodoviária, sugere falhas sistémicas na abordagem global à segurança rodoviária em Portugal. O “Sistema Seguro”, que é o princípio orientador da política de segurança rodoviária da UE, exige uma abordagem integrada que abranja estradas seguras, veículos seguros, utilizadores da estrada seguros, velocidades seguras e cuidados pós-acidente. Os dados atuais indicam que Portugal pode não estar a implementar eficazmente todos os pilares desta abordagem, resultando em vulnerabilidades contínuas que se manifestam nas elevadas taxas de acidentes e lesões.
O Contexto Europeu: Um Desafio para a Ambição de Portugal
A União Europeia estabeleceu a ambiciosa meta de reduzir para metade as mortes e os feridos graves na estrada até 2030, em relação aos níveis de 2019. Embora a UE27 tenha conseguido uma redução de 12% nas mortes rodoviárias desde 2019, este progresso ainda está aquém da redução de 27% necessária para cumprir a meta de 2030. A estagnação de Portugal destaca-se negativamente neste panorama, contribuindo para o atraso coletivo. A falta de progresso significativo em Portugal não afeta apenas a segurança dos seus próprios cidadãos, mas também impede o avanço da agenda europeia de segurança rodoviária. A meta coletiva da UE para 2030 depende do contributo positivo de todos os Estados-Membros, e a trajetória atual de Portugal coloca uma pressão adicional sobre o esforço global, sublinhando a sua responsabilidade partilhada no cumprimento dos objetivos europeus.
Apelo Urgente à Ação: Recomendações para Portugal
Portugal não possui uma Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária 2021-2030, documento que alinha as suas metas com as da UE, visando uma redução de 50% nas mortes e feridos graves até 2030, com base nos níveis de 2019. Os resultados atuais indicam que a implementação desta estratégia necessita de ser significativamente acelerada e reforçada. A existência de uma estratégia ambiciosa, mas sem os resultados esperados, revela uma lacuna crítica entre o planeamento e a execução eficaz. Não se trata de falta de objetivos, mas da dificuldade em alcançá-los, o que exige uma análise aprofundada das razões pelas quais as medidas atuais não estão a produzir o impacto desejado.
O ETSC, com base nas suas recomendações gerais, propõe as seguintes ações para Portugal:
- Adoção e Implementação Integral do “Sistema Seguro”: É imperativo que Portugal adote e implemente de forma integral a abordagem do “Sistema Seguro”, que pressupõe uma responsabilidade partilhada entre os projetistas do sistema e os utilizadores da estrada, com foco na segurança intrínseca e na resiliência ao erro humano. Esta abordagem holística é a base para o sucesso dos países líderes na segurança rodoviária.
- Reforço da Fiscalização e Aplicação da Lei: Acelerar o progresso através de estratégias de fiscalização comprovadas, conforme as recomendações da Comissão Europeia. Tal inclui o uso de tecnologias como câmaras de velocidade e de reconhecimento automático de matrículas (ANPR), que se mostraram eficazes noutros países. A Bélgica, por exemplo, registou um aumento de 500.000 deteções de infrações de velocidade em 2024 com a utilização de câmaras ANPR, demonstrando o potencial destas tecnologias.
- Financiamento Adequado e Medidas Direcionadas: Assegurar financiamento governamental suficiente para a definição de medidas orientadas para metas e a criação de modelos de financiamento e incentivo a nível regional e local. A escolha das medidas deve basear-se em estudos de avaliação sólidos e considerações de custo-eficácia.
- Melhoria da Recolha de Dados e KPIs: É crucial acelerar a recolha de dados para os Indicadores Chave de Desempenho (KPIs) da UE e estabelecer submetas quantitativas ambiciosas. A melhoria da qualidade dos dados de feridos graves, nomeadamente através da adoção plena da definição MAIS3+ e da ligação entre dados policiais e hospitalares, é fundamental para uma compreensão precisa do problema. Portugal já está a trabalhar nesta área desde 2015, mas a implementação completa do protocolo acordado ainda está a ser preparada para assinatura, o que deve ser acelerado para garantir uma avaliação mais precisa e eficaz das intervenções.
Declarações e Perspetivas: O Custo Humano da Inação
“Os números do relatório PIN 2025 são um lembrete de que o ritmo do progresso na segurança rodoviária em Portugal é demasiado lento,” afirma Alain Areal, Presidente da PRP. “Milhares de mortes não foram evitadas, e um número crescente de famílias enfrenta a dor de perdas evitáveis e de lesões que mudam vidas. A estagnação de Portugal é um apelo urgente à ação. É tempo de o compromisso político se traduzir em medidas concretas e eficazes para proteger todos os utentes da estrada.” A PRP sublinha que, para além das estatísticas, existe um profundo custo humano. A inação ou a lentidão na resposta às tendências atuais significam mais vidas perdidas e mais famílias a lidar com as consequências devastadoras de acidentes que poderiam ter sido prevenidos. Esta perspetiva humaniza os dados e reforça a urgência moral de uma ação política decisiva.
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